domingo, 30 de setembro de 2012

A Gata

Era uma noite fria e silenciosa, dia dez de maio do ano de dois mil e doze, quando ouvi o telefone tocar. Do outro lado da linha, Alexsandro me implorava que fosse abrir a porta. Pensei "O maldito perdeu a chave de novo".

Ao me encaminhar para a entrada do edifício reparei em algo inusitado - o homem não aguardava junto ao portão, mas sim do outro lado da rua. Num primeiro momento nossos olhares se cruzaram, mas logo em seguida minha atenção foi tomada por uma mochila que ele carregava como se fosse um bebê.

Tomada pela curiosidade, atravessei a rua. Ao me aproximar, notei que ele ninava a mochila - que, por sua vez, emitia um choro alto, não humano. Notavelmente perplexa, me dirigi a ele: "Seu filho da mãe, se você estiver me sacaneando, eu mato você".

Ele não respondeu; apenas indicou, com um aceno de cabeça, que entrássemos no prédio. Enquanto passávamos pelos portões, o choro agudo e desesperado que a bolsa emitia me dava calafrios. Eu pensava "Isso não pode ser verdade", enquanto finalmente abria a porta do apartamento de número 103.

Dentro de casa, ele ordenou: "Entra na cozinha e fecha a porta". Eu obedeci, mas repliquei: Você sabe que se isso for brincadeira eu te mato, né?". O choro na mochila se intensificou. Alexsandro se sentou numa velha cadeira de madeira, com o pacote no colo. Me aproximei. Suas mãos grandes e calejadas realizaram, num piscar de olhos, a abertura da bolsa.

Neste momento aconteceu o incrível. Uma cabeça felina se pôs para fora da abertura. Seus pelos eram amarelo-alaranjados, e seus olhos eram verde-pistache. O choro cessou, dando lugar à miados esparsos - estranhamente semelhantes ao som que aqueles patinhos de borracha fazem.

"Era verdade mesmo", pensei. Alexsandro, como se tivesse visto o pensamento em meus olhos, disse: "Eu não poderia deixá-la lá".

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 Assim, meus caros, é que surgiu a Marreca Godzilla. Para quem interessar possa, o primeiro nome surgiu do miado engraçado dela; o segundo, do curioso hábito de ficar sobre as duas patas traseiras e atacar as coisas que ela tem. O Alex resgatou ela de do meio de um bando de cachorros, em Eldorado do Sul. Ela seguiu ele até a escola de Pa Kua, e ele sem titubear enfiou ela numa mochila e trouxe pra casa. A veterinária disse que ela deveria ter cinco ou seis meses. Decidimos então que o aniversário dela então é dia 16 de janeiro, entre o do Alex (dia 06) e o meu (dia 26).



 Desde aquele dia, minha vida deu um duplo twist carpado. Eu sempre quis ter um gato, mas digamos que é um pouco diferente "querer" e "ter". No primeiro dia, ela correu pra área de serviço e se meteu embaixo de uma mesa. Coloquei cobertas pra ela ficar lá, junto com água e ração. A Questão Xixi me preocupava; não sabia se ela ia se adaptar à caixa de areia, já que ela era de rua e tal. O Alex comprou a caixa o mais rápido possível, e eu coloquei ela no banheiro da área de serviço. Naquele dia, fiquei na expectativa... até que ela foi até o lixo, na cozinha, e fez xixi ao lado. Me desesperei, pensei "ah meu deus, eu não entendo nada de gato, como que eu vou fazer ela usar a caixinha?!". Acabei colocando a caixa ao lado do lixo. 
 Naquela noite, fiz promessa pra todos os deuses possíveis e imagináveis pra que a gata aprendesse a usar a caixa. No dia seguinte, o pedido foi atendido. Como eu não sei quem foi que atendeu, não vou virar devota de nenhum pra não cometer nenhuma injustiça, né?




 A Marreca já me rendeu diversas histórias; ela já deu de cara no vidro tentando caçar um sabiá-laranjeira, já escalou um armário de mais de dois metros de altura, já se escondeu embaixo do sofá-cama e quase matou eu e o Alex infartados... Acho que a coisa que eu mais gosto é o barulhinho que ela faz quando está prestes a pular na cama ou no sofá. É uma graça, não dá pra explicar.





 Claro que ela já fez coisas ruins e me fez pensar que o meu lance definitivamente é cachorro, também. Nas primeiras semanas ela me arranhava sem dó, me mordia, não deixava eu fazer carinho. Fora as coisas que ela pega, derruba, morde, rói, destrói...
 Ela faz coisas completamente aleatórias, tipo escalar a cabeceira da cama por trás (entre a madeira e a parede) ou passar por trás do rack na sala (e puxar vários fios da tv e do roteador no processo). O problema é que ela tem uma carinha tão, mas tão bonitinha que eu não consigo ficar brava.





Ela apronta todas, me despreza, tenta roubar o Alex de mim... mas ainda assim eu amo essa peste. Ela começou a dormir na cama comigo há uns dois meses, e recentemente ela começa a ronronar quando eu pego ela no colo. Daí eu seguro ela que nem um bebê e ela dorme! Não consigo resistir!




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